DECIMAR BIAGINI

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Advogado e Poeta Cruzaltense

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terça-feira, 27 de outubro de 2009

NORMALIDADE INTERIORANA

Eram quase dezoito horas, o sinal da cruz ainda não se realizava na entrada da sacristia.
As buzinas e os chiados de sons veiculares mal instalados perfaziam a ronda altisonante pela Terra de Érico Veríssimo.
Criava-se uma nuvem de fumaça ao longe, fruto das investidas de agricultores desesperados, que gastavam até o que não tinham no plantio da soja.
Alguns modernos bandeirantes aplicavam golpes conhecidos no calçadão da Comuna Cruzaltense, tais como pirâmide do jantar de gala, bilhete premiado, forasteiro precisando de passagem, pedido de medicamento em parada (um rapaz com uma criança no colo pedia dinheiro para comprar leite especial, a criança tinha intolerância a lactose, mal sabiam que com a grana que ele arrecada, já dava para comprar 5% (cinco por cento) dos ativos do grupo ELEGÊ), leitura de mão, quiromancia trucada (essa é uma nova modalidade que junta a ciganagem ao jogo de truco valendo dinheiro, o blefador tem seu futuro advinhado pela garçonete que está servindo os clientes, mal sabia ele que estava acomunada com o homem de brinco na orelha, relógio de ouro em um punho grosso, e anel brilhante em dedo enrugado).
Já pelas vinte para as dezoito horas, uma camionete F250, com um agricultor apressado, passa pelo semáfaro aberto para pedestres, e num golpe de infortúnia, dá cabo na vida de quatro pedestres (o padre que iria conduzir a missa na Igreja Nossa Senhora de Fátima, o rapaz que pedia medicamentos, o cigano que saia do carteado para pagar suas contas no caixa eletrônico, o forasteiro que atravessava a faixa para provavelmente pegar o ônibus para a Rodoviária), apenas um sobrevivente, uma criança que engatinhando completa com segurança a travessia, sendo erguida junto ao peito para seu verdadeiro pai (que alugava a mesma para o rapaz dos medicamentos, por R$10,00 (dez reais) a hora).
E então que, às dezoito horas, em três viradas a mais, os sinos badalavam na Capital do Trigo, o tráfego desengarrafava, a faixa era liberada pela perícia, e a vida continuava normalmente.

Decimar Biagini

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